sábado, 25 de maio de 2013

FILOSOFIA POLÍTICA I – O PENSAMENTO POLÍTICO DE PLATÃO EM “A REPÚBLICA”




Na disciplina de “Filosofia Política I” há a analise do pensamento político clássico por meio da leitura de “A República” de Platão, um dos pilares do pensamento politico moderno e contemporâneo. Platão, juntamente com Aristóteles em “A Política”, foram capazes de articular um conjunto de ideias e estabelecer um vocabulário politico que se tornaram a matéria prima de reflexão de muitos autores que estudam a politica, suas formas e atividades com o objetivo de coexistir.

A filosofia política fala grego, uma vez que muitas palavras que se usa para falar sobre política provêm do grego: tirania, aristocracia, democracia, etc. Os dois autores foram alguns dos principais pela determinação desse vocabulário e do sentido de cada uma dessas palavras.

A política surgiu na Grécia, entendida não apenas como ciência, mas objeto dessa ciência. De acordo com Wolf, a política teria sido o resultado do cruzamento de dois importantes produtos da cultura grega. O resultado do cruzamento de um novo modo de pensar, surgido no século VI antes de Cristo, fundado no livre exame e na investigação sobre os fundamentos de todas as coisas, da realidade em sua totalidade, modo de pensar esse que tem o nome de filosofia, e de um modo livre e novo de viver juntos surgido no século VIII a.C que tem o nome de polis.

A palavra politica designa ao mesmo tempo uma ciência e um objeto. Enquanto objeto de um saber pode ser entendido um conjunto de atividades as quais os homens se dedicam com o objetivo de coexistir. Enquanto ciência designa o estudo objetivo dessas mesmas práticas, assim como historia designa o dever, a transformação da sociedade ao longo do tempo, e também o estudo dessas transformações da sociedade ao longo do tempo.

Destaca-se também que os gregos foram o primeiro povo a compreender que a política depende de nós. E nesse sentido, a política constitui uma criação genuína do gênio grego. Os egípcios e outras sociedades do passado possuíam lideres políticos, submetendo-se aos lideres como a um destino, como se a autoridade do Faraó descessem dos céus, não compreendendo que a politica é algo que dependem de nós. Via o Faraó como o “deus vivo”, corporação tangível de uma divindade, e como se o poder tivesse descendo do céu. Os gregos perceberam que as pessoas podem ser atores políticos e sujeitos das decisões que dizem respeito a administração da cidade, e por isso, podem ser considerados inventores da política.

Em sentido estrito, politica designa os negócios da polis. Polis designa a urbe por oposição ao campo, e a civilização a oposição à barbárie. De acordo com os gregos, aqueles que viviam fora da cidade eram bárbaros. E designa também a cidade, uma entidade comunitária, autônoma, a qual algumas dezenas de milhares de habitantes têm consciência de pertence. 

Para Francis Wolf, a cidade tem seu território que ultrapassa os limites da urbe e se abriga por detrás de seu regime próprio, onde cada uma saiu de diversas tribos, federadas sobre instituições politicas e religiosas comuns, mas seus particularismos tribais foram logo digeridos a tal ponto de no século V a. C, o sentimento de pertencer a sua cidade é primordial e vence o enraizamento do helenismo, marcado entre outras coisas, por uma comunidade étnica, linguística e de culto.

Na época clássica, entre os gregos da antiguidade, a participação na vida politica da cidade não era vista como atividade qualquer, como entre tantas outras. Os gregos viam a participação na vida política como a mais nobre das atividades, como a atividade por essência. Esse valor grande e elevado a vida política só pode ser entendida elevando em conta três fatores que são sugeridos por Wolf.

Primeiro, na civilização grega o sucesso de um individuo era identificado aos signos que o tornavam manifestado. Era uma civilização da visibilidade, como atesta a própria estatuária da época que levava a seu apogeu a arte de oferecer aos olhares de todos uma forma admirável e bela, que ocupasse o centro da própria vida na cidade. Também foram os inventores do teatro, tanto da comedia e quanto da tragédia. E no teatro tudo é visto por todos, tudo é visto por todos os ângulos, se manifesta como espetáculo e se reveste de sinais exteriores de visibilidade. Nas assembleias publicas, ao aconselhar a cidade, o orador atrai pra si todos os olhares e brilha por suas opiniões. 

Pode-se dizer que o sucesso político era o único e possível para gregos, e por isso, desde jovens eram ensinados a participar da vida publica, ocupar magistraturas e poder falar diante de seus concidadãos, compartilhando com eles seus pontos de vistas. Aqueles que se afastavam da vida política, era chamados de idiotes. A palavra era aquele que se recusava a se participar dos negócios públicos.

Segundo, a política constituía o espaço no qual se decidia o poder. Com efeito, na polis ninguém possuía o poder a priori. É o objeto de um ter privado, particular. O espaço público era o lugar de disputa, pelo reconhecimento e pelo poder, principalmente nas cidades onde havia uma democracia representativa, como na cidade de Atenas. O espaço público era um espaço que se disputava o poder, e por isso importante que cada cidadão participasse da tomada de decisão de tudo que dizia a respeito à cidade.

Por fim, a excelência politica totalizava de alguma maneira todas as outras excelências. Vale lembrar que o terreno politico recobria praticamente todas as competências particulares e exigia uma competência universal, pois nas assembleias de uma democracia direta, todos os cidadãos deveriam se pronunciar a respeito de todos os assuntos discutidos, ou pelo menos, dos assuntos que fossem considerados de interesse político. O homem político deveria ser capaz de demonstrar, num grau mais elevado, todas as qualidades morais que ocupavam os centros dos sistemas simbólicos da cultura grega, tais como justiça, piedade, senso de honra e sacrifícios.

Essas são as razões indicadas por Francis Wolf para a enorme importância que se atribuía no período clássico, principalmente na Grécia, a participação dos cidadãos na vida política.





A definição de Justiça:

Trasímaco expõe sua definição de justiça num diálogo que participou com Sócrates e outros interlocutores. Tal diálogo é descrito por Platão no Livro I de “República”, cujo mote é Sócrates refutando algumas concepções de justiça apresentadas por Céfalo, Polemarco e por Trasímaco. Trasímaco, insatisfeito com o posicionamento de Sócrates de que não convém a alguém causar dano a outrem, ou de que a justiça não pode ser prejudicial a alguém, concebe que a “justiça não é outra coisa senão a conveniência do mais forte” (338c). 

Sendo aquilo que é mais útil para quem é mais forte, a justiça ocorre onde se tem o poder, pois poder é força. E para tanto, a justiça se fortalece, em cada governo, a partir das leis que são estabelecidas de acordo com a conveniência necessária. Portanto, ser justo é também ser lícito, é obedecer às convenções feitas por homens, já que estas são feitas convenientemente para atender aos interesses de quem está no poder. Dessa forma, a “justiça é sempre a mesma, independente da forma de governo e dos governantes” (ASSMANN & DUTRA, 2008, p. 49).

O primeiro argumento que Sócrates utiliza para refutar tal definição é de que, embora a justiça seja algo útil, não é correto afirma que seja “para o mais forte”, questionando que, se caso o mais forte se enganasse ordenando aquilo que lhe parece útil, mas não o sendo, seus súditos realizariam então o que não é mais útil para o forte. Porém Trasímaco rebate tal argumentação, vinculando poder e conhecimento, onde o governante possui o poder por competência e, portanto, é infalível.

O diálogo desenvolve-se com Sócrates argumentando sobre o conteúdo da competência do governante, onde, como numa técnica, a competência está justamente em saber fazer o que é útil àquilo que é objeto de sua técnica. O governante justo, portanto, não visaria vantagem a ele mesmo, “mas o que o é para o seu subordinado, para o qual exerce sua profissão” (342e).

Novamente Trasímaco replica o filósofo apresentando duas argumentações: Primeiro, que é frágil afirmar que um governante visa apenas o que é útil aos governados, sendo essa análise uma abordagem simplória. Depois, argumenta que o homem injusto faz o bem a si mesmo, pois quem obedece ao mais forte não recebe nada por isto, porém, mesmo assim o obedecem. O injusto é feliz, sendo sua injustiça algo útil a si mesmo, e não para os outros, pois os outros só não cometem as mesmas injustiças, e louvam o injusto, porque tem medo de serem vitimados pela injustiça que praticariam. 

Segundo ASSMANN e DUTRA (2008), essa tese de Trasímaco lembra a ética aristocrática, na medida em que



“... sustenta que quem quiser ser justo deve fazer com que o poder constituído o sirva, e que, nesta perspectiva, o perfeito injusto, o tirano, é o único capaz de desmascarar o poder que está por detrás da justiça. Mas tal desmascaramento só pode ocorrer substituindo o poder pelo poder: mesmo o tirano tentará impor para vantagem própria o engano de sua justiça.” (p. 51).


Porém, todos os presentes no colóquio não concordaram com esse posicionamento de Trasímaco, dando continuidade a discussão sem a convicção de que injustiça é mais vantajoso que a justiça. Sócrates ao retomar a discussão se propõe a diferenciar os efeitos e as motivações de uma técnica para quem a exerce, bem como para o seu objeto, e para tanto, utilize-se de exemplos como o da arte médica e o da atuação de um piloto. Para o filósofo, essa técnica nada mais é que uma faculdade (dynamis) particular, que tem vantagens específicas. Em razão disto, o objeto da arte é diferente dos efeitos da arte sobre quem ela é exercida. Em resumo, enquanto arte, a justiça deve ter por finalidade a utilidade dos governados e não a dos governantes. 

Trasímaco replica porque Sócrates porque este não explicou porque a vida do justo deve ser preferida em detrimento da vida do injusto. Em razão disto, o sofista afirma que a injustiça é uma virtude (areté) e a justiça uma sublime ingenuidade, pois “a perfeita injustiça é mais útil do que a perfeita justiça” (348b). Noutras palavras, os injustos são prudentes e bons se conseguem realizar a injustiça perfeita, a ponto de submeter cidades e povos. Essa injustiça praticada dessa forma é sabedoria. Sócrates novamente o refuta argumentando que os justos só querem suplantar os injustos, enquanto os injustos visam dominar a todos, e, portanto, “o justo revela-se como bom e sábio, e o injusto como ignorante e mau” (350c.)

Sócrates dessa forma dá o ‘xeque-mate’, ao fazer com que os presentes compreendam que sendo a injustiça sinônimo de ignorância, o injusto é uma pessoa que não deseja aprender. E principalmente que o sofista é um ignorante, pois se utiliza de critérios intersubjetivos para tentar produzir uma moral da injustiça. O diálogo finaliza-se nesse ponto com Sócrates esclarecendo que justiça só pode ser algo que é bom para quem manda e para quem obedece, e que a injustiça é a fonte de discórdia, pois sem a união não é possível praticar nem o que é bom, nem o que é mau, uma vez que até para o egoísmo coletivo necessita-se do apoio dos outros. 

Por fim, Sócrates também introduz os conceitos de ergon (função de algo) e de virtude (excelência de algo/alguém para exercer bem sua própria função), onde a função da alma é administrar e a justiça é a virtude da alma para tanto, bem como se apresentou insatisfeito com tal discussão, uma vez que a mesma apresentou o conceito de justiça em si (apenas concluíram sê-la uma virtude da alma), e nem se descobriu se quem a possui é, ou não, uma pessoa feliz.



A origem do Estado e das classes de homens que o compõem:

No decorrer do diálogo, nos livros II e III, os interlocutores Gláucon e Adimanto continuam a pressionar a Sócrates para que este apresente uma definição melhor de justiça e para que explique por que a justiça é melhor que a injustiça. Pontuam que entendem a justiça como uma espécie de hipocrisia social, pois os seres humanos tendem muito mais a serem injustos que justos, porém, socialmente querem demonstrar que são justos, pois temem as consequências de se fazer o que é considerado como injusto. 

Para tais interlocutores a justiça é, para muitas pessoas, apenas um bem que é usado como um meio, e que fazer a injustiça é um bem, já sofrê-la, um mal. Numa concepção contratualista, entendem que a justiça é uma convenção entre indivíduos, que criam leis e convenções entre si, pois todos, sabendo de suas fraquezas de tenderem-se à injustiça, as criam e põem-se de acordo, para que ninguém as pratique uns com os outros. 

Nesse sentido, a justiça só serve para produzir uma boa reputação. Cumprem as leis não pelo bem que tal cumprimento pode trazê-los, mas sim por necessidade, por temerem a punição do seu descumprimento. Gláucon afirma que “por natureza queremos mandar, e só pela lei somos de fato iguais”. (ASSMANN e DUTRA, 2008, p. 55), ao passo que Adimanto coaduna com Sócrates quando se pronuncia afirmando que é bom ser justo e é mau ser injusto. 

Porém, para esse interlocutor, um individuo mau pode viver bem se aparentar se justo, e da mesma forma, um justo pode viver mau, caso, mesmo sendo bom, não aparente isto. Isso significa que a aparência impõe-se à verdade, decidindo-a:


“ninguém jamais censurou a injustiça ou louvou a justiça por outra razão que não fosse a reputação, horarias, presentes dela derivados. Quanto ao que são cada um em si e o efeito que produzem pela sua virtude própria, pelo fato de se encontrarem na alma de seu possuidor, ocultas a homens e a deuses, ninguém jamais demonstrou suficientemente, em prosa ou em verso, até que ponto uma é o maior dos males (...) ao passo que a outra, a justiça, é o maior do bens” (PLATAO, 366e-367a).


Sócrates então começa ressaltando que é preciso distinguir justiça individual e justiça da sociedade, e, sobretudo do ponto de vista dos outros seres humanos. Isso é necessário, pois é justamente por isso os homens constituem sociedades. 

São as necessidades humanas básicas (alimentação, habitação, vestuário) que fazem surgir a cidade, as sociedades, fazendo com que haja a divisão técnica do trabalho, onde cada um atua especificamente em algo que sabe fazer e o fará melhor. Assim, a cidade será constituída de sociedades onde cada um não trabalha para si mesmo, mas também para os outros, contribuindo com os outros que irão trabalhar para si e para os outros, de forma recíproca, em suas tarefas. 

Nessa sociedade, que é discursada por Platão com o intuito de projetar uma cidade que tenha como causa a justiça, devem existir três tipos de classes de indivíduos: deve haver uma cidade saudável (que incluirá a preocupação com a alma e o corpo), deve haver uma cidade bem armada (que contará com cidadãos-soldados, guardiães), e deve haver uma cidade cuja beleza é ser governada por filósofos (que conhecem como ninguém o que seja a justiça, numa perspectiva social).

Para tanto, a classe saudável deve ser educada com a musica para a alma. Na musica encontra-se todo o conjunto das artes, inclusive a literatura, com a ressalva da tradição helênica que colide com seu entendimento de que cada pessoa pode fazer bem apenas uma coisa só, pois “não existe entre nós homem duplo nem múltiplo, uma vez que cada um executa uma só tarefa” (397e). Pela arte, pode-se perceber a importância das coisas desinteressadas, da harmonia e da beleza, antes de se ter acesso à razão. 

Para a classe que favorece uma cidade bem armada, a ginástica para o corpo se justifica porque, juntamente com a arte, faz com que se forme um individuo com a formação de governantes, tendo as virtudes da temperança, a capacidade de se autocontrolar, sabendo agir responsavelmente. É justamente o equilíbrio da alma e do corpo que demonstra que uma pessoa está preparada para dirigir uma cidade, ou seja, para governar, como um filósofo, que possui esse equilíbrio.



A natureza da justiça:

Sócrates, no Livro VI, parte do entendimento de que alguém só pode ser feliz individualmente se for membro de uma cidade feliz, e que não se deve pensar somente na felicidade de uma determinada classe em detrimento de outra. É preciso sempre pensar na cidade como um todo. Essa cidade feliz, na concepção do filosofo, não pode ser nem rica e nem pobre, bem como deve ter um tamanho razoável para que possa ter sua autossuficiência, e ter a educação como formação por base. Posto isto, o filosofo apresenta as três virtudes do Estado:

a) sophia: sabedoria – preocupa-se com o conhecimento de toda a cidade, com o modo dela se comportar consigo mesma e com as outras cidades. Tal ciência é possuída pela classe de guardiões.

A felicidade não tem relação com a divisão técnica do trabalho, como as virtudes que se apresentam, pois a felicidade é fruto da justiça, uma vez que a competência sobre a felicidade não tem caráter intransitivo. 

b) andreia: coragem – é uma virtude cognitiva que é propiciada pela parte que tem a função de combater, com capacidade de salvaguardar a cidade contra coisas terríveis. 

c) sophrosyne: moderação – vale para toda a cidade boa e feliz e se relaciona com “o acordo dos seres naturalmente superiores e naturalmente inferiores sobre quais deles devem governar a cidade”, com todos respeitando essa situação, bem como, ao mesmo tempo, significa a capacidade de controlar os prazeres e apetites.

A justiça, nesse sentido, se dá na cidade quando cada um exercer sua única atividade, a atividade que a natureza determinou. A cidade feliz e justa é aquela onde cada uma das classes da sociedade desempenhe seus papeis sem pretenderem fazer nenhuma das outras. A injustiça provém justamente do contrário, ou seja, do fato de alguém exercer uma tarefa sem competência. A incompetência é justamente fazer o que a natureza não determinou. 

A justiça e moderação são virtudes do homem. São virtudes que se exigem de todos, pois em cada classe, a justiça e a moderação, possuem características distintas. Por ser uma convenção, externa, a justiça não pode ser resultado de uma mera convenção fortuita. Isso significa que os sentidos só encontram sentido se puderem se expressar na vida da cidade, na política. Portanto, o Estado ideal está relacionado com a alma ideal, O homem justo é sinônimo de cidade justa. A justiça é a capacidade de autogovernar-se. Há assim um paralelo de cidade feliz e de homem feliz e justo, da mesma forma como um paralelismo entre a saúde do corpo e a saúde da alma. 

A justiça consiste, nesse sentido, na ordem definida pela natureza e na divisão do trabalho. Segundo ASSMANN e DUTRA (2008), onde


“... é o princípio e ao mesmo tempo o resultado do fato de cada classe realizar de maneira perfeita a sua tarefa na cidade. E injustiça na cidade acontecerá toda vez que uma das classes não cumprir bem sua tarefa ou quando alguma classe não realizar a sua tarefa, mas a de outra para a qual a natureza não a destinou”. (p. 67)


Em suma, o homem é justo da mesma maneira que a cidade é justa, e a cidade é justa pelo fato de cada um executar nela a sua tarefa específica, em cada uma das suas três classes. Compete a educação o papel de formar cada parte da alma e cada parte da alma para realizar com perfeição a função que lhe é própria.



O Filósofo e o Estado Ideal:

Para o filósofo, os governantes devem se dedicar de forma exclusiva ao que for de interesse coletivo, razão pela qual devem se livres de todos os obstáculos e de todos os interesses e tendências que forem egoístas. Não há uma relação de senhorio dos governantes para com os governados. É uma relação de respeito e de amizade, uma relação de gratidão mútua. Nesse contexto, não há espaço para a competição. Qualquer forma de individualismo, de egoísmo, promove competições pelo poder e pelos cargos públicos, desvirtuando-se da finalidade de sua atuação, que deve ser sempre o interesse público, coletivo. 

Nesse sentido, o governante é aquela pessoa que resolve todos os problemas da cidade, sendo suas soluções universais. Para tanto, esse político que é o governante deve ser filósofo, uma vez que a política a ser executada baseia-se na episteme, no conhecimento do todo, objetivamente, e não numa política baseada na doxa, uma vez que saber falar e convencer os outros pelo discurso, como fazem os sofistas, não é suficiente, pois dessa forma não se tem senso de justiça, do que seja bem, verdade.

Esses governantes do Estado Ideal, filósofos, conhecem o todo e assim, governam para o bem da cidade, de todos os cidadãos, conseguindo ver a “beleza em si”, a “justiça em si”, sendo amigo da sabedoria. Esses governantes odeiam a mentira, amam a sabedoria e conhecem a substância das coisas, que não são instáveis. 



O Filósofo e a práxis política:

O filósofo deve ser o rei porque conseguiu chegar até ao Sol, à Verdade, ao Bem Supremo. Ele deve superar a difícil relação entre verdade e política, entre teoria e prática, para ao retornar à Caverna, governar obre os homens de prata e de bronze. 

O filósofo deve se ocupar do governo do Estado porque ele é sábio e, portanto, será um bom governante. Justamente por ser sábio, é seu dever governar os outros, não permitindo quem nunca conseguiu chegar até ao Sol governar, pois quem não percorreu o caminho até conhecer a Verdade não é sábio. 

A sabedoria do filósofo está justamente porque este conhece o todo e não somente partes, como são os especialistas. A política que se baseia na episteme, no conhecimento do todo, é melhor do que a doxa. O filósofo, conhecendo o todo, governará para realizar o bem para toda a cidade e não somente para si próprio, ou para uma parte específica da cidade. 

A escolha do filósofo para governar é uma escolha da natureza, é fruto da ideia do bem, ideia que só pode ser conhecida de forma precisa pelo filósofo, razão pela qual, este realiza a sua natureza de ser um homem de ouro, apto para se tornar o filósofo-rei do Estado.



Os Estados Corrompidos:

Na continuação do encontro de Sócrates com seus interlocutores, Gláucon solicita que o filósofo retome a discussão acerca do que estava sendo tratado anteriormente, visto no Livro V, sobre as diversas formas de políticas e suas relações com as diferentes formas de personalidade humana, considerando que a justiça para o individuo tem a mesma significância que justiça para toda a cidade. 

Assim como a virtude é una e o vício apresenta diversas formas, o filósofo entende que há apenas uma forma de estado que é perfeita, a aristocracia, e todas as demais (timocracia, oligarquia, democracia e tirania) são ruins.

A primeira forma corrompida de governo é a timocracia. Trata-se da constituição dominada pelo gosto por honrarias, onde a procura da honra é uma questão fundamental, tanto no que se refere à realização da razão (como na magistratura), quanto à realização da força para afirmar-se a si mesmo. 

Nesse contexto, é a coragem a virtude e não a sabedoria no Estado Ideal, resultando na desarmonia deste. O tirano é aquele que tem gosto pelo exercício físico, ginástica e caça. É corajoso, ambicioso, que considera os feitos militares em detrimento de interesses intelectuais. Com o decorrer da vida, apega-se ao dinheiro, pois já não tem mais uma alma equilibrada. A sua parte emotiva ou irascível já não é controlada pela razão, pois a alma desequilibrada já comanda a sua personalidade. 

A oligarquia por sua vez é a sociedade cuja importância está na riqueza e o poder está restrito aos ricos. Os governantes são estes, independentemente de serem ou não bons governantes. Nesse contexto há, portanto, duas classes – rica e pobre – em constante luta. A classe rica, governante, é minoritária. Os pobres, a maioria, viveram a desigualdade e em razão disto, muitos se tornarão mendigos ou criminosos. Estes não têm funções particulares. Vivem a luta pelo fim da desigualdade, enquanto os ricos dissipam suas riquezas. 

O oligárquico é o homem tem o desejo sempre de ter mais, e isso faz com que este controle de certa forma seus desejos e impulsos, visando à expansão da sua riqueza e a manutenção da tão desejada posse do poder.

Já a democracia se caracteriza pela distribuição dos cargos governantes à sorte. Parece ser um tecido social, não havendo uma consciência de classes. Impera como virtude a liberdade, onde tudo pode ser falado livremente, e todos tem o direito de fazer que melhor lhes convier. A vida particular é uma escolha do individuo. É um regime anárquico. Não corresponde a um estado individual, uno. Permite-se uma diversidade de estados diferentes. Nesse contexto faltam com o respeito às autoridades, filhos são iguais aos pais, os mestres aos seus discípulos, etc. 

O democrata é o homem que não distingue entre bons e maus prazeres, levando todos de igual forma. Vive o momento, fazendo que o bem lhe entender, sendo instável, tratando da vida particular e da vida política ao mesmo tempo. Engana-se a mesmo em relação à liberdade, pois o que vive é uma licença para se fazer algo e é escravo do desejo.

Por fim, a pior de todas as formas corrompidas do Estado, a tirania. Nesta há o desaparecimento de uma classe rica. O que há é um único líder, com um exercito privado, que estabelece uma tributação elevada ao povo. Esse líder oprime os cidadãos, remove os homens inteligentes e corajosos e promove um estado em constante guerra. 

O homem tirano é dominado por uma paixão principal, Eros, ao contrário dos vários desejos e passará a vida a tentar satisfazê-lo. Para tanto, torna-se violento e furioso, não havendo concepções sobre justo e injusto, honesto e desonesto. Todos são meios para satisfazer seus próprios interesses. Não terá amigos e sua vida será infeliz, uma vez que se trata de um homem perverso.


BIBLIOGRAFIA:

ASSMANN, Selvino José; DUTRA, Delamar José Volpato. Filosofia Política I. Florianópolis: Filosofia/EAD/UFSC, 2008.

PLATÃO. A República. Trad. De Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.



OBSERVAÇÃO: 

Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina “FILOSOFIA POLÍTICA I” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 25/05/2013.



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